DO AMOR DE DEUS
Aumentará
em nós a admiração, se considerarmos o desejo veementíssimo que tinha Nosso
Senhor Jesus Cristo de sofrer e morrer por nós. “Hei de ser batizado com o
batismo do meu próprio sangue e sinto-me morrer no desejo de ver chegar a hora
da minha paixão e morte, a fim de que o homem reconheça o amor que lhe tenho”
(Lc 12,50). Assim dizia o Filho de Deus em sua vida terrena. O mesmo sentimento
lhe fez ainda dizer na noite que precedeu a sua dolorosa paixão: “Desejei
ardentemente celebrar esta Páscoa convosco” (Lc 22,15). Parece, pois, diz São
Basílio de Selêucia, que nosso Deus tem amor insaciável pelos homens.
Meu Jesus! Os homens não vos amam porque não
ponderam o amor que lhes dedicais. Como é possível que a alma que considera um
Deus morto por amor dela, e com tão grande desejo de morrer para lhe demonstrar
o seu afeto, viva sem o amar?… São Paulo diz que não é tanto o que Jesus Cristo
fez e sofreu, como o amor que nos testemunhou sofrendo por nós, que nos obriga
e quase nos força a que o amemos (2Cor 5,14). À consideração deste sublime
mistério, São Lourenço Justiniano exclamava: Vimos um Deus enlouquecido de amor
por nós.E, na verdade, se a fé não o afirmasse, quem é que poderia crer que o
Criador quis morrer pelas suas criaturas?… Santa Madalena de Pazzi, num dos
seus êxtases, tendo nas mãos uma imagem do Crucificado, chamava Jesus louco de
amor. O mesmo diziam os gentios, quando ouviam pregar a morte de Cristo, que
lhes parecia incrível loucura, segundo nos atesta o Apóstolo: “Pregamos o
Cristo crucificado, escândalo para os judeus, necessidade para os gentios”
(1Cor 1,23). Como é possível, diziam eles, que um Deus perfeitamente feliz em
si mesmo e que nada necessita, desça à terra para fazer-se homem e morrer por
amor dos homens, suas criaturas? Eqüivaleria a crer que Deus enlouqueceu por
amor dos homens. É, contudo, de fé que Jesus Cristo, verdadeiro Filho de Deus,
se entregou à morte, por nosso amor. “Amou-nos e ele mesmo se entregou por nós
(Ef 5,2). E qual a razão desse sacrifício? Fê-lo, a fim de que não vivêssemos
para o mundo, mas para esse bom Senhor que quis morrer por nós (2Cor 5,15).
Fê-lo com o fim de ganhar, pela manifestação do seu amor, todos os afetos dos
nossos corações. Assim os Santos, ao considerarem a morte de Cristo, tiveram em
pouca conta o dar a vida e sacrificar tudo pelo amor de seu amantíssimo Jesus.
Quantos ilustres personagens, quantos príncipes
abandonaram riquezas, famílias, pátria e até coroas, para se encerrarem nos
claustros e viver no amor de Deus! Quantos mártires lhe sacrificaram a vida!
Quantas virgens, renunciando às bodas deste mundo, correram alegres para a
morte, a fim de assim poderem corresponder ao afeto de um Deus, morto por seu
amor!… E tu, meu irmão, que tens feito até agora por amor de Cristo?… Assim
como o Senhor morreu pelos Santos, por um São Lourenço, por uma Santa Luzia,
por uma Santa Inês… também morreu por ti… Que pensas ao menos fazer no resto da
vida, que Deus te concede para que o ames? Lança repetidas vezes os olhos sobre
a imagem do Crucificado, contemplando-o! Lembra-te do amor que lhe deves e dize
em teu interior: “Meu Deus, foi por mim que quisestes morrer?” Faze ao menos
isto; faze-o freqüentemente, e assim te sentirás docemente constrangido a amar
a Deus, que tanto te ama.
AFETOS E SÚPLICAS
Não vos amei como devia, amantíssimo Redentor,
porque não pensei no amor que me tivestes! Ah! meu Jesus! quão ingrato sou!…
Destes a vida por mim, sofrendo a mais amarga das
mortes, e eu mostrei- me tão insensato que nem quis pensar em vós. Perdoai-me,
Senhor; prometo-vos que, de hoje em diante, ó meu Amor crucificado, sereis o
único objeto dos meus pensamentos e afetos. Quando o demônio e o mundo me
apresentarem seus frutos venenosos, recordai-me, amado Salvador, os trabalhos
que por meu amor sofrestes, e fazei que vos ame e não vos ofenda… Ah, se um de
meus servos houvesse feito por mim o que vós fizestes, não me atreveria a
dar-lhe o menor desgosto.
E, no entanto, muitas vezes ousei apartar-me de
vós, que morrestes por mim!… Ó belas chamas de amor, que obrigastes um Deus a
dar a sua vida por mim; vinde, abrasai-me e enchei todo o meu coração e consumi
nele o afeto às coisas criadas! Meu amantíssimo Redentor, como é possível que
se não sinta inflamado de amor por vós o que vos considera no presépio de
Belém, na cruz do Calvário, e agora no Santíssimo Sacramento do Altar?…
Amo-vos, meu Jesus, com toda a alma, e no resto da minha vida sereis o meu
único bem, o meu único amor. Não devo aumentar a soma dos anos desventurados,
que passei desgraçadamente no esquecimento da vossa Paixão e dos vossos afetos.
A vós me entrego inteiramente e se não sei dar-me
como devo, acolhei-me vós e reinai no meu coração. Adveniat regnum tuum. Não
volto a ser escravo, a não ser do vosso amor. Que todas as minhas palavras,
todos os passos, todos os meus pensamentos, todos os suspiros não tenham outro
objeto senão amar-vos e servir-vos. Assisti-me com vossa graça a fim de que vos
seja fiel; é nos vossos merecimentos que confio, ó meu Jesus? Ó Mãe do belo
amor, fazei que ame muito ao vosso divino Filho, que é tão digno de ser amado e
que tanto me tem amado!
Nenhum comentário:
Postar um comentário